domingo, 7 de agosto de 2011

Por debaixo do véu da hipocrisia - parte 1



Por muitos e muitos anos estive ao lado de muitos de vocês, leitores, em uma profunda e cruel corrente feita para atacar, julgar e punir algumas pessoas que, ao serem taxados de vulgares e sujos, pecadores e hereges, poucas vezes ou nenhuma vez tiveram oportunidades de serem o que o tempo todo sempre foram: normais. Dessa vez, estou aqui para tratar do assunto que espanta os mais críticos, e também os mais hipócritas: os gays, homossexuais ou qualquer termo que preferirem.


Sei como é difícil quando nos deparamos com alguém que tem como característica mais visível contrariar tudo o que sempre nos foi passado, tudo aquilo que julgamos ser certo e natural. Não é fácil tirar esta venda preta que nos cega desde que nascemos e vai escurecendo a cada palavra que nos é ensinada por essa sociedade e cultura cruéis. Eu sei bem disso, afinal, faço parte de uma típica família brasileira, com parentes ligados à religião católica, casamentos tradicionais realizados em igrejas com todos os rituais que mandam os costumes.

Famílias compostas por muitos filhos, netos, todos oriundos de uma formação voltada ao tradicional, àquilo que foi ensinado lá atrás. Como uma pessoa proveniente de um seio familiar com essas características pode reagir naturalmente quando é apresentado a pessoas, situações, costumes e características tão diferentes e, muitas vezes, contraditórias? Eu passei por tudo isto, vivi o auge de uma homofobia cega e sem discurso, baseada em simples e frágeis conceitos de certo e errado. Era muito fácil, e cruel, simplesmente atirar pedras e acertar o alvo, pouco importando quem estava do outro lado do cabo de guerra. O problema, meus caros, é que do outro lado está um ser humano, de tanto valor quanto você, que na grande maioria das vezes passa por essa transição na vida sem sequer entender do que se trata, sendo golpeado impiedosamente e, eventualmente, sentindo-se culpado de um crime que não faz a mínima idéia do que se trata. Isso é ser gay, isso é ser homofóbico, e sobre isso quero tratar neste post.

Antes que certas questões sejam levantadas, quero reiterar que não sou homossexual, nunca tive dúvida disso, mas o que mudou em mim foi a visão de como lidar com esse tema, com essas pessoas e, mais importante, como encarar aqueles que continuam nessa estrada da mesmice, do preconceito e da discriminação. O motivo que me faz vir aqui e escrever um texto criticando quem critica os gays é simplesmente por eu achar injusto toda essa situação. Como ex-legítimo homofóbico de carteirinha, tenho o privilégio de conhecer dois pontos de vista contrários e antagônicos, podendo opinar sobre ambos.

Dificilmente quem está lendo vai modificar a sua opinião pura e simplesmente, mas só queria fazer esta tentativa, tentar abrir um pouco o horizonte de idéias e conceitos de muitos que estão lendo e estão por ler. A primeira coisa que precisa ser modificada é a idéia de que todos os gays simplesmente acordaram certo dia, acharam que era moda e decidiram “ser”. Isso é uma ilusão, uma imagem errada que acaba sendo proliferada pelos meios de comunicação em massa. Quem conhece ou conheceu um homossexual, sabe que não é bem assim. Longe disso...

Pessoal, tentem imaginar como é ser uma criança comum, criada numa sociedade comum, preparada para vivenciar certas fases da vida de um certo jeito, e acabar por não se encaixar nisso. Tentem imaginar o que é ter 8/10/12 anos e ser “adestrado” por toda uma cultura a conviver com amiguinhos do mesmo sexo, mas se sentir atraído por amiguinhos de sexo oposto. Ser treinado para ter um primeiro beijo de uma forma “X”, mas simplesmente não sentir isso. Tenho certeza que muitos, neste ponto, estão sentindo repulsa, aversão. Que bom, é pra vocês que estou escrevendo. Olhando aqui de fora, de cima, nossa situação é cômoda. Somos, acredito, todos adultos aqui, temos definidas nossa situação de vida, objetivos, sensações, preferências, necessidades. Mas imagina o que é uma situação como a descrita acima para uma criança que está sendo apresentada para as primeiras sensações, primeiros sentimentos. No meio de uma sociedade e de uma cultura como a nossa, o que você pensa que ela iria sentir, pensar de si mesma? Pois é isso o que acontece com a grande maioria dos gays. Não me venha com essa conversa de que Deus “isso” ou “aquilo”, somos adultos aqui e não adianta você pregar sua fé para uma criança que, sem entender uma situação, acaba por se sentir culpada, se sentir com defeito, como se estivesse cometendo um grande erro, como se fosse uma vergonha para seus pais, sua família. Eu lhes pergunto: é justo essa criança receber todas estas pedras? Pois pare, pense e reflita: por de baixo do seu véu de hipocrisia, é esta criança hipotética que você está atingindo. Não aquele gay que tenta aparecer na televisão, aquele que causa vergonha até mesmo aos demais homossexuais....nossas pedras, atingem a todos, inclusive essas crianças, que sequer sabem o que fizeram de errado.

Continua...

2 comentários:

  1. A matéria está muito digna meu caro. Fico feliz em saber que em algum lugar do mundo existam pessoas como vc q finalmente entendem um modo tão simples e ao mesmo tempo fantástico de viver. Parabéns!

    M. Bezerra.

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  2. Nossa sociedade vive dessa hipocresia a milhões de décadas. Tenho receio de que não mude isso jamais. Olhamos pra casa do vizinho e sabemos que lá tem um homossexual e que não entendemos o pq aquele pai ou aquela mãe e as vezes os dois não aceitam ou concordam com o filho mesmo sabendo que eles o amam e dizemos ainda que aceitariamos o nosso se ele dissesse para nós: "Papai, mamãe eu gosto de meninos(as)!" Pronto o nosso mundo desaba!!
    E agora o que fazer?? Abraçar o filho e dizer que vai ficar tudo bem?? Gritar e xingar ele (de inumeros insuto que os pais encontram pra descrever a vida que o filho sente que será feliz)??

    Cada ser deve saber seu modo de ser feliz e buscar a felicidade onde lhe acalma o coração. Claro que sem esperar que as pessoas aceitem o que vc decidir. Até mesmo pq não podemos reclamar de hipocresia e sermos hipocritas também de achar que tudo vai ser fácil, bom e que não vai existir o preconceito da sociedade e da família. Apenas busquemos ser felizes dia após dia.

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